quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Sobre urinar em cadáveres

Por esses dias, assistindo Tv, deparei-me com um curioso episódio, a saber: em um momento de conflito e guerra em um país do Oriente Médio (não vem ao caso nem o país, nem o conflito em si), um soldado, após ter assassinado um subversivo manifestante opositor, urinou sobre seu corpo e disse-lhe para ter um bom dia.

A princípio, pareceu-me algo sem fundamento; mortos não se importam. De fato, eles são lançados para passarem o resto de suas mortas existências enterrados em meio a todo o tipo de deterioração, terras sujas, vermes esfomeados, decompositores que fazem de seus orifícios aconchegantes moradias. Talvez fosse muito mais condenável alguém que, mesmo que em pretenso momento de aperto, usasse de uma árvore, arbusto, gramínea ou vegetal para aliviar sua incontrolável vontade humana. Neste caso, afinal, estaria falando de urinar em seres vivos, cujas células possuem uma função e significado.

Não obstante o estranhamento inicial, aos poucos compreendi  a situação. Não, não se tratava de humilhar o morto, tirar-lhe a dignidade ou deixá-lo com mau cheiro perante os portões celestiais. Acontece que matá-lo não foi o suficiente. Era questão de algo mais, além da vida. Pretendia o soldado, por meio de um simbólico gesto metonímico, aniquilar também aquilo pelo que o jovem manifestante dedicara toda sua vida, aquilo em que transpusera cintilantemente seu sentido existencial e paixão. O soldado urinou em sua pátria, em seus ideais, em seus valores. Quis demonstrar que toda aquela luta do rapaz não passava de fétido romantismo e feneceria nas profundezas de um lamaçal de esgoto. 

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